Safra de caju no Nordeste tem maior quebra em 20 anos

A mescla de chuvas irregulares, ventos fortes e pomares "idosos" vai resultar na maior quebra de safra da cultura de caju no Nordeste nos últimos 20 anos. De acordo com previsões de produtores locais e da estatal Embrapa, a safra 2010/11 poderá ser 50% menor do que a anterior, o que já está tendo impactos nas cadeias produtivas de castanha e de suco de caju.
A fruta é cultivada em todo o Nordeste - região que responde por 95% do total nacional -, com ênfase em Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, e tem sua produção concentrada entre os meses de outubro e março. Na safra atual, devem ser colhidas cerca de 1,2 milhão de toneladas de caju, quase metade do ciclo anterior. Já a produção de castanha não vai passar das 150 mil toneladas, com uma quebra superior a 50%.
"As condições climáticas trouxeram mais dificuldades para um quadro já complicado", afirmou o presidente do Sindicato das Indústrias de Beneficiamento de caju (Sindicaju), Lucio Carneiro. Segundo o dirigente, os ventos fortes e o tempo seco ocorreram justamente na época de floração da fruta, o que prejudicou a produção.
Com o declínio na oferta da castanha in natura, muitas beneficiadoras paralisaram as atividades e deram férias coletivas aos trabalhadores. É o caso da Cascaju, do grupo cearense Edson Queiroz, maior processadora de castanha do país, com capacidade de 60 mil toneladas anuais. Segundo a superintendente da empresa, Annette de Castro, a planta está parada desde novembro por falta de matéria-prima.
"Hoje só estamos atendendo nossos clientes com a castanha já processada que tínhamos em estoque. Temos capacidade de continuar atendendo até fevereiro, depois temos que voltar a operar, o que é sagrado", afirmou ela.
Assim como ocorre com a Cascaju, as indústrias brasileiras de beneficiamento de castanha estão com capacidade ociosa. Segundo Carneiro, o país pode processar hoje cerca de 430 mil toneladas por ano, bem acima dos volumes que vêm sendo beneficiados. Por esse motivo, os agentes do setor tentam ampliar as importações de castanha in natura vinda do oeste africano, especialmente de países como Nigéria, Gana e Costa do Marfim.
O presidente do Sindicaju alega, contudo, que o governo federal vinha dificultando as compras externas, por meio do endurecimento das exigências fitossanitárias. Ainda assim, está previsto para o próximo dia 16 o desembarque de uma carga de 500 toneladas de castanha in natura vinda de Gana. "Um de nossos pleitos é que essa operação seja facilitada e continuada", afirmou o dirigente.
Outra queixa do setor é o câmbio, visto que 80% da produção brasileira é exportada. Somada à quebra da safra, a valorização do real diante do dólar tem preocupado muito os beneficiadores de castanha. Por esse motivo, eles defendem que seja estabelecida uma política específica de incentivo ao setor, travestida em uma espécie de crédito-prêmio que compense com desoneração fiscal as perdas provocadas pelo câmbio.
"Se não houver uma política clara, se não houver nenhuma política compensadora, é possível que muitas empresas [beneficiadoras] nem voltem [a operar]", disse o presidente do Sindicaju.
O pedido de apoio vem na esteira de expectativas pouco promissoras para o setor. Isso porque o processo de envelhecimento dos pomares brasileiros vem resultando em uma perda contínua da produtividade, cenário que só tende a se agravar. Segundo Vitor Hugo de Oliveira, chefe-setorial da Embrapa, a safra atual vai render cerca de 160 quilos de caju por hectare, contra 300 quilos do exercício anterior.
"Precisamos urgentemente de um programa de renovação dos pomares, sob a pena de o Brasil começar a perder competitividade no mercado internacional. Vietnã, Índia e Nigéria, nossos maiores competidores, estão renovando. Ou renovamos ou vamos amargar quedas sucessivas de produtividade", afirmou Oliveira. Segundo ele, aos 30 anos os cajueiros começam a mostrar os primeiros sinais de debilidade.
Além da cadeia da castanha, a quebra na safra também está dificultando a vida das fabricantes de suco. Consumidora de 30 mil toneladas anuais de caju, a Empresa Brasileira de Bebidas e Alimentos (Ebba), dona das marcas Maguary e Dafruta, está pagando o dobro do preço pela fruta para manter estáveis os seus volumes de produção.
"Como líderes nacionais na categoria de suco integral, temos responsabilidade em atender o nosso cliente. E o caju é muito importante na categoria integral, pelo baixo custo e rendimento. Por isso, nossa prioridade é manter a disponibilidade do produto e estamos fazendo um esforço muito grande para isso", conta o presidente da Ebba, Romildo Tavares de Melo. "Foi realmente uma safra chorada", avalia. (Valor Econômico, 05/01/2011)

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